quarta-feira, 13 de maio de 2015

Suco de Manga

 Começos de tarde me causam enjoo, mas enjoo mesmo, desses que você sente arder a gastrite que talvez nem existe e a boca saliva uma inundação indesejada. Como se já não bastasse a salivação que eu não me agrado, o sol que pegava ardente os ponteiros do relógio naquela exata hora das uma e quarenta e três da tarde, me veio o cidadão.
Tinha um ar conhecido naquele rosto de trinta jamais visto por mim. Encontrava-se num nervoso salubre e num rasgão agarrou minha mão como se me conhecesse a vidas. Assustei. Contava duas e dez e ele num suor asqueroso me falava do seu nervosismo incomum. Ansiedade. Não que eu seja dessas tais que odeiam pessoas mas me causou incômodo, os dedos gelados entre os meus naturalmente amenos. Aflição. Ofereci um calmante, não poderia ter feito diferente, num olhar esquivo e numa preocupação pouco real, ofereci a única coisa que dispunha naquele momento além das minhas mãos e ouvidos. -Um calmante bem fraco, caracterizei. Recusou. Naquela altura eu já havia bloqueado o incômodo a aflição e tudo mais que pudesse me chegar com aquela presença tão invasiva e desesperada. Penar. Observei as três horas chegando rapidamente, o que me aliviara a pressão tanto nos ouvidos quanto na mente, então ele num descompromisso me perguntou se eu tinha namorado. -Não tenho namorado, talvez nunca tivera de fato. -Tenho namorada, cidadão. Logo ouvi ‘ mulher que fica com mulher é porque está, é, foi frustrada amorosamente por um homem’. Foi aí que me chegaram aqueles sentimentos cujo quais eu amassei e engoli  a seco.  Você destrói um obstáculo todos os dias, você aprende a viver numa sociedade machista, falocêntrica que te subi-julga te oferecendo condições inferiores as dos homens, pum, escuta na boca de um desses tais de trinta que você é uma frustrada sexual e amorosamente, porém, com uma orelha linda e pequenina. –Sim, elogiou minhas orelhas de ‘’mulher frustrada’’. –Não é meu caso, concluí numa indiferença quase muda. Cansaço. Então num começo de tarde qualquer dentro de um voo qualquer eu me deparo com um tal, com o sol, com os ponteiros de um relógio, os conceitos e opiniões que me causam ainda mais salivação e tudo que eu desejava era chegar naquele destino tantas vezes pisado.
E quanto ao cidadão, engoli com suco de manga gelado e na privada tempos depois despejei  realizada.

sábado, 9 de maio de 2015

baixio

'A luz era amarela, tinha gosto de intimidade. 
De pés descalços caminhou até o centro daquele cenário que era, em suma, sua vida de amor e tragédia. Cumprimento e despedida. De amor e despedidas fazem-se as vivencias do ser, do seu ser, do nosso. De pés magros e bem delineados caminhou no palco de mim . Trazia na voz o desassossego da vida e o conforto da identificação. Apressei-me em passos falsos ao meu encontro. Sentado naquela cadeira de ferro e fogo ensinou a mim e aos demais o que é amor e amar, paixão e apaixonar-se. Sofri do abandono dos que me identificavam, sofri da lembrança jaz perdida numa memória de caos e fármacos. De mão magra e dedos longínquos fez o café e toucou-me a alma fragilizada numa história que era por coincidência ou não, nossa.
Farfalhou em meus tímpanos aquela luta para sobreviver. Sub viver. Tocou meus olhos com suas palavras e num rompante de emoção encontrei nos dele a beleza do ‘marejar ’ inundou m’alma de emoções contidas, nossas almas. Escorreu pelo meu corpo lembranças de já não ser e estar, dos que já não são e nunca mais estarão. Afundei-me enfim, largada, frouxa, flácida mas não flutuante, no interior de mim e me afoguei naquela melodia que me fora presenteada enquanto jovem e inconsequente me drogava nos sarais da vida, aquele do zé, na esquina daquela casa que era quase minha.
Novamente aqueles pés, eu que já tinha em mim a certeza de que só as mãos são merecedoras de olhares, fixei-me nos pés descalços que caminharam a vida, as vidas, a minha vida. Do Oiapoque Ao Chui.
Andamos, compartilhamos, nos afastamos e nos ferimos. Amei sem conta e deixei escorrer por entre os lábios as palavras que mais tarde me tirariam da sua presença. Nossa presença .Das nossas descobertas. Me fiz muda diante de toda aquela história e não saberia dizer nesse momento o que era nosso, o que era meu e o que era tão somente dele. Daquele ser de faca e flor. Daquela grandeza diminuta nos seus 1.70 m. Escorri identificação naquela vida que sem muitas opções vivemos e com permissão dada por nós, escolhemos.
Então Volta, fica. E ainda que eu vá, te carrego nos olhos e na alma.